Sativa vs Indica, as diferentes espécies e nomenclatura da Cannabis

02/10/2020 7 minutos de leitura

Logo que você começa a estudar sobre maconha aprende que existem 3 variedades diferentes: sativa, indica e ruderalis, e que cada uma delas com características marcantes. As sativas são grandes com folhas finas e efeito “eufórico”, as indicas são mais compactas e robustas, com folhas largas e efeito “relaxante”, por fim as ruderalis não produzem efeito psicoativo mas tem a capacidade de florir pela idade não por fotoperíodo. Embora isso seja muito aceito pela comunidade de cultivadores no meio cientifico a nomenclatura da maconha tem muito mais debate. Nesse texto vamos conhecer um pouco mais sobre as diferentes espécies de maconha, um pouco da história de classificação da planta e uma nomenclatura mais atualizada.

Um pouco sobre a classificação da Cannabis

A planta maconha faz parte da família Cannabaceae e do gênero Cannabis. Essa família possui poucas plantas mas plantas de grande interesse para ser humano como a maconha e o lúpulo. A primeira classificação científica da maconha foi feita em 1753 pelo botânico sueco Carl Linnaeus dando o nome de Cannabis sativa para planta. Cannabis vem do grego kannabis e sativa significa “cultivada”. A espécie que ele analisou era uma variedade europeia sem efeito psicoativo, fibrosa, alta, com folhas finas e com pouco desenvolvimento lateral. Cultivada pelo interesse nas fibras e sementes, era o que conhecemos em português como cânhamo.

Mais tarde em 1785 o francês Jean-Baptiste Lamark descreveu e classificou uma segunda espécie chamada de Cannabis indica, que significava “cannabis da Índia”. A Cannabis indica tinha a capacidade de produzir grande quantidade de THC e com isso um feito psicoativo que os europeus não conheciam na Cannabis sativa. A espécie analisada era parecida com a europeia mas menos fibrosa, e cultivada pelo efeito medicinal e psicoativo. Por muitos anos para os europeus Cannabis indica era o nome da maconha importada para uso como medicamento. Apesar da definição indica falar que é da Índia e foi lá onde Lamark registrou a planta, posteriormente foi identificado que cultivavam Cannabis indica do sudeste asiático até o norte da África. Por muito tempo Cannabis sativa eram as plantas cultivadas na Europa, sem efeito psicoativo e Cannabis indica as plantas “da Índia” (ou não europeias) que tinham efeito psicoativo. Os europeus introduziram as duas variedades de Cannabis nas Américas durante a colonização.

Os russos continuaram pesquisando a planta. Em 1922 o Nikolai Vanilov registrou uma variedade que crescia como uma planta selvagem da região do Cáucaso até quase a fronteira com China em localidades onde o cultivo de Cannabis não era realizado por humanos. Por parecer com Cannabis sativa mas crescer espontaneamente na natureza foi classificada como Cannabis sativa ssp. spontanea. Pouco depois em 1924 Janischevsky registrou plantas similares como uma terceira espécie, Cannabis ruderalis por cresceram de maneira ruderal.

Algum tempo depois, em 1929, o Vavilov registrou duas novas variedades de Cannabis que cresciam na região do Afeganistão e Paquistão. A primeira variedade era de plantas compactas com folhas largas bem diferentes da Cannabis sativa e da Cannabis indica já conhecidas. Por serem nativas do subcontinente indiano mas região do Afeganistão, Vavilov as registrou como Cannabis indica ssp. afghanica. Não foi registrado se os cultivares eram mantidos pelo interesse psicoativo ou fibras e sementes. A outra variedade registrada crescia selvagem na região da Caxemira aos pés do Himalaia. Diferente da afghanica ela era parecido com as indianas, plantas grandes com folhas finas, e recebeu o nome de Cannabis indica ssp. kafiristanica.

Variedades com morfologia parecida com as afegãs, compactas de folhas largas, foram registradas como cultivadas em regiões da China, Coreia, Japão e sudeste da Ásia. Eram cultivadas pelo interesse nas fibras e sementes mas possuem potencial para efeito psicoativo. Foram classificadas como Cannabis indica ssp. chinesis.

Note que a classificação cientifica para a planta era assunto de europeus. Para os russos existia a discussão morfológica que poderia levar a terceira espécie (ruderalis). Para o resto do mundo a divisão era baseada na existência ou não do efeito psicoativo (sativa, sem efeito psicoativo; indica, com efeito psicoativo).

Com a declaração do início da Guerra as Drogas pelo governo norte americano nos anos 1970 aumentou muito o interesse popular e cientifico do país sobre a maconha. Quando as plantas com efeito psicoativo vindas da Índia, Tailândia, África e América do Sul chegaram aos EUA na década de 1970 os cultivadores notaram as semelhanças físicas com o canhamo e as chamaram de sativas, mesmo que pelo efeito psicoativo delas fossem classificadas como Cannabis indica. Quando as plantas compactas do Afeganistão (Cannabis indica ssp. afghanica) chegaram aos EUA, foram chamadas simplesmente de indicas por serem diferentes morfologicamente do que eram as “sativas”.

Desse desentendimento é que nasceu toda a interpretação comumente aceita no universo dos cultivadores e aficionados em maconha. Dizemos que as sativas são plantas grandes com folhas finas e as indicas são plantas mais compactas com folhas largas. Quando na verdade sativa quer dizer que era “cultivada na Europa” ou “sem efeito psicoativo”, enquanto indica quer dizer “da Índia” ou “com efeito psicoativo”.

Podemos notar que a grande dúvida que paira é sobre qual critério deve ser usado para classificar a planta, suas características morfológicas ou seu efeito no ser humano?

Uma nomenclatura mais moderna como resposta

Mais recentemente nos anos 2000, os pesquisadores americanos Karl Hillig e Paul Mahlberg trabalharam na análise morfológica e química da planta para investigar a diversidade genética e propor uma nova classificação para maconha. Em seus estudos eles conseguiram montar o quebra cabeça que confirma a existência de duas espécies diferentes, encaixa todas as classificações anteriores formando a história da evolução da planta. Nessa evolução a ruderalis é ancestral da sativa e da indica.

Com base nesses estudos os americanos Robert C. Clarke e Mark D. Merlin propuseram uma nomenclatura mais moderna que acaba com a confusão sativa vs indica. Nessa nova definição cada diferente espécie da nomenclatura binominal tradicional é encaixada em um grupo que expressa claramente sua morfologia e constituição química. As plantas são classificas morfologicamente como NL (narrow leaf, folha fina) ou BL (broad leaf, folha larga) e quimicamente como D (drug, psicoativa) e H (hemp, não psicoativa). Acho que em bom português podemos dizer que psicoativa é maconha e não psicoativa é cânhamo.

Combinando a classificação morfológica e química fecham quatro conjuntos de genoma nativos para Cannabis:

  • Cânhamo de folhas finas
  • Cânhamo de folhas grossas
  • Maconha de folhas finas (erroneamente/popularmente chamadas de sativas)
  • Maconha de folhas grossas (erroneamente/popularmente chamadas de indicas)

Abaixo uma tabela com a relação da nomenclatura de bióticos com a nomenclatura binominal formal e a localidade de origem de cada espécie.

Sigla Biótipo Nomenclatura binomial Localidade
PA Putative ancestor Cannabis ruderalis Ásia central e norte da Ásia
NLHA Narrow-leaf hemp ancestor Cannabis sativa ssp. spontanea Europa oriental e Ásia central
NLDA Narrow-leaf drug ancestor Cannabis indica ssp. kafiristanica Cordilheira do Himalia, Caxemira e Birmânia
NLH Narrow-leaf hemp Cannabis sativa ssp. sativa Europa
NLD Narrow-leaf drug Cannabis indica ssp. indica Sul e sudeste da Ásia, Oriente Médio e norte da África
BLH Broad-leaf hemp Cannabis indica ssp. chinensis China, Coreias, Japão e sudeste da Ásia
BLD Broad-leaf drug Cannabis indica ssp. afghanica Paquistão e norte do Afeganistão

Tradução livre:

  • Putative ancestor = suposto ancestral
  • NLHA, narrow leaf hemp ancestor = ancestral do cânhamo de folhas finas
  • NLDA, narrow leaf drug ancestor = ancestral da maconha de folhas finas
  • NLH, narrow leaf hemp = cânhamo de folhas finas
  • NLD, narrow leaf drug = maconha de folhas finas
  • BLH, broad leaf hemp = cânhamo de folhas largas
  • BLD, broad leaf drug = maconha de folhas largas

E agora? Minha strain referida é sativa ou indica?

Com esse novo entendimento ficou claro que a definição de sativa e indica que usamos normalmente não é mais tão correta, e como ficam as strains? Primeiro vale lembrar que as strains não são diferentes espécies da planta, são variedades das espécies. Todas as “sativas nativas” de países como México, Colômbia, Tailândia, Nepal, África do Sul e outros, são na verdade NLD (maconha de folhas finas, Cannabis indica spp. indica). As clássicas “indicas nativas” do Oriente Médio como Afghan #1 e Hindu Kush são BLD (maconha de folhas largas, Cannabis indica ssp. afghanica).

As strains que cultivamos hoje em dia são em sua maioria híbridos entre BLD e NLD expressando características morfológicas entre os dois extremos. Jack Herer é um híbrido com folhas finas (NLD) e a Skunk #1 é um híbrido com folhas largas (BLD).

Finalizando

Gostou de saber um pouco mais sobre a história a nomenclatura da sua planta preferida? Embora esse assunto não seja fundamental para quem esta simplesmente interessado em cultivar maconha, é extremamente importantes para os que desejam se aprofundar no tema e muito interessante para qualquer apaixonado pela planta. Em textos futuros pretendo abordar um pouco sobre a história da planta e o entendimento dessas definições aqui vão ajudar muito a compreender como essa planta se espalhou pelo mundo e chegou na sua vida!

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